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sábado, 5 de setembro de 2009

Do livro de Saint-Hilaire (IV)


BOJURU, 3 e 4 de agosto de 1820 (continuação da parte III) - Não se planta mandioca na paróquia de Mostardas, mas, em compensação, cultivam-se o trigo e o centeio. O gado é aqui geralmente pequeno, mas possui carne saborosa. A principal riqueza do lugar é a criação de carneiros. Cada estancieiro possui um rebanho constituído, muitas vezes, de vários milhares de carneiros, e com a lã produzida as mulheres fabricam no tear ponchos muito grosseiros que se vendem a 6 patacas, enviando-os a Porto Alegre, Rio Grande e outros lugares da Capitania. Esses ponchos são brancos com listas pardas ou pretas, e usados exclusivamente pelos negros e índios. Dizem na região que as ovelhas dão cria duas vezes ao ano, em maio ou junho, e em seguida em dezembro ou janeiro; mas é de se crer, como muito bem me explicou o comandante do distrito, que as que dão cria em junho não são as mesmas que o fazem em janeiro. Como os rebanhos vivem entregues a própria sorte, não se pode ter a esse respeito uma opinião segura. A lã dos carneiros e das ovelhas paridas corta-se em outubro, mas tosa-se em março a dos animais nascidos em junho. Castram-se os carneiros aos seis meses de idade pela supressão completa dos testículos, ou a um ou mais anos pela torção dos vasos espermáticos. Como já referi, não há o menor cuidado com os rebanhos; não são vigiados, e a única precaução tomada é a de mantê-los em pastagens abrigadas nas proximidades da casa. Perde-se, por isso, grande número de cordeirinhos; mal as ovelhas dão cria, os urubus e carcarás se atiram sobre os indefesos animais, comendo-lhes os olhos, caso não sejam defendidos corajosamente pelas mães. Morrem muitos também por não poderem acompanhar o resto do rebanho em que se acham confundidos. Após deixarmos Mostardas, deparou-se-nos, logo à esquerda, um lago chamado Lagoa do Peixe, mas que não se nota quando se percorre a estrada. Caminhamos assim entre duas lagoas: a de Mostardas e a do Peixe. Paramos na casa do comandante do distrito, chamada Guaritas, mas não pude continuar escrevendo este diário, ontem à tarde, porque as mulas de carga se desgarraram, só chegando ao meio da noite. A Lagoa do Peixe se estende por detrás da casa em que nos hospedamos; tem pouca profundidade suas águas salobras. Como fica muito próxima do mar, os moradores da região habituaram-se a abrir, de quando em quando, um sangradouro que comunica com o oceano; a lagoa enche-se de peixes que se apanham sem dificuldade. Noa arredores de Guaritas, as terras são impregnadas de sal, e as pastagens transmitem um excelente sabor à carne das reses.
Retirado de:
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 2002.
Imagem: Saint-Hilaire.

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