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domingo, 19 de julho de 2009

AS AVENTURAS DE ENÉIAS APÓS O FINAL DA GUERRA DE TRÓIA.

No momento final da Guerra de Tróia, um de seus heróis, Enéias, conseguiu fugir em meio às chamas que devoravam a cidade. Depois de sete anos de aventuras pelo mar, Enéias chegou com seus companheiros à praia de Cumas, na península Itálica, onde se erguia o templo de Apolo. Foi pedir ao deus que lhe permitisse descer ao mundo dos mortos e falar com Anquises, o pai falecido e inesquecível.
Acompanhado pela sacerdotisa do templo, Enéias penetrou na sombria caverna que levava aos infernos, o reino dos mortos. A escuridão era total. Uma multidão de sombras ameaçadoras e inconsistentes povoava aquele local sinistro. Ali estavam os terríveis espectros do Luto, os vingadores. Remorsos, as pálidas doenças, a triste velhice, o Medo, a Fome, a Miséria, a Morte, a Fadiga, os Maus Prazeres da mente, a Guerra e a Discórdia. Chegaram às margens de um grande rio de lama vigiado pelo barqueiro Caronte. Seu aspecto era horrível; estava coberto de farrapos imundos, tinha uma comprida barba branca descuidada e olhos cor de fogo.
Enéias e a sibila entraram no barco e atravessaram o rio. Um enorme cão de três cabeças chamado Cérbero guardava a margem. Para amansá-lo, a sibila atirou-lhe um pedaço de bolo de mel e papoulas. A fera devorou-o com rapidez e adormeceu. A entrada dos Infernos estava livre.
Chegaram a uma bifurcação. O caminho da esquerda levava ao Tártaro, um lugar tenebroso cercado por uma muralha de rochas em chamas. De lá vinham gritos, gemidos e lamentos das almas torturadas. Ouviam-se estalidos de chicotes, sibilar de varas e arrastamento de correntes. Era a morada das almas dos culpados, dos criminosos, dos mentirosos; dos que em vida odiaram seus irmãos, ergueram as mãos contra o próprio pai, iludiram a boa-fé de um cliente, acumularam riquezas somente para si e as negaram aos seus; dos que traíram o juramento prestado aos seus senhores; daquele que vendeu a sua pátria por ouro; daquele que, a troco de pagamento, fez e desfez as leis.
Enéias e a sibila pegaram o cominho da direita e chegaram a uma extensa planície de relva florida. Entraram nos Campos Elíseos, o reino dos felizes, dos bem-aventurados. Ali usufruíram de música, dança, cavalos, carros, vinho e iguarias. Dentre essas almas benditas surgiu, sorridente, Anquises, pai de Enéías;
- Vieste, a final, me ver, filho querido! Tua piedade soube triunfar sobre o difícil caminho.
Enéias tentou, por três vezes, abraçar o pai, e por três vezes a imagem paterna lhe sumiu das mãos, como em um sonho. Em torno, inúmeras almas se aproximaram do rio para beber de suas águas límpidas.
- Dize-me, pai, quem são essas almas tão sedentas?
- São as almas desejosas de renascer e que, antes de voltarem ao mundo dos vivos, vêm beber as águas do longo esquecimento. Vou dizer-te o que aguarda essas almas. São povos de todas as nações que Roma irá submeter. Aí vês, meu filho , seus descendentes, os romanos e os heróis da Roma futura. Entre eles está Rômulo, o fundador de Roma. Vês, enfim, aquele que foi tantas vezes anunciado; Augusto. Graças a ele, a idade de ouro renascerá nos campos do Lácio. Ele levará o Império dos romanos das margens do Nilo até o mar Cáspio; das Colunas de Hércules até as praias do Indo. Acredita-me, filho; outros povos saberão, talvez, modelar melhor o bronze, esculpir o mármore, poderão falar com mais eloquência, medir melhor o movimento dos astros..., mas o povo romano sozinho submeterá o mundo ao seu Império; Tuas artes consistirão em impor as condições de paz, poupar os vencidos e subjugar os soberbos.
Reconfortado e animado pelo pai, Enéias saiu dos Campos Elíseos com o coração exultante pela glória que sua raça estava destinada a alcançar.

Vigílio, Eneida
São Paulo: Ourtix, 1999 (adaptado).

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